Por Michele Calliari Marchese
Esse causo aconteceu na
Campina da Cascavel, deveras distante de tudo, poderia dizer que é um Universo
único, dada a quantidade de causos sem explicação e misteriosos que acontecem
por essas bandas.
Foi tão assustador e verídico,
que foi contado aos filhos dos filhos da Campina. Passou-se 90 anos e ainda
causa arrepios. Credo!
Aconteceu na semana de finados
quando o Padre Dimas começou a novena no dia 25, uma sexta-feira.
Como todo mundo sabe, a novena
é dividida em nove dias, e naquele primeiro dia apareceu na igreja uma gente
estranha que não era conhecida de ninguém. Ficaram em pé na entrada, vestiam
roupas muito simples e tinham as cabeças baixas. Ninguém conseguia ver os
rostos. E o Padre Dimas começou:
“Hoje, traze-me a humanidade
inteira...”
E o povo que estava lá, olhou
imediatamente para trás, pois parecia que as pessoas estranhas na entrada
eram a própria humanidade inteira proferida pelo Padre.
“... especialmente todos os
pecadores...”
Olharam para trás de novo.
“...e mergulha-os no oceano da
Minha misericórdia. Com isso Me consolarás na amarga tristeza em que Me afunda
a perda das almas.”
A Dona Iraci imediatamente
ajoelhou-se e começou a rezar seguida das outras mulheres, dos homens e das
crianças da Campina. Havia certa comoção, certo alerta durante toda a novena, e
o Padre ficou feliz em ver todas as almas tão compenetradas, mesmo aquelas
estranhas. Quando terminou a novena ninguém mais viu aquela gente que estava
lá.
Durante todos os dias da
novena, apareceram crianças sem pais, velhos, doentes e toda a sorte de pessoas
desconhecidas, simples e cabisbaixas. E sempre à porta da entrada.
No quinto dia da novena, no
dia 29, o Padre Dimas começou:
“Hoje, traze-Me as almas dos
cristãos separadas da unidade da Igreja e mergulha-as no mar da Minha
misericórdia.”
Em vez do habitual “Amém”, ouviu-se
Dona Iraci chorando na primeira cadeira, em frente ao padre. É que ela tinha a
certeza absoluta de conhecer uma das gentes que estavam na entrada.
“Parecia-lhe alguém, alguém a quem amou”.
Naquele dia muitos choraram a
lembrar de seus mortos e o Padre Dimas encerrou a novena, comovido.
E assim sucedeu até o oitavo
dia da novena, quando a Dona Irma e o Seu Olice, que chegaram um pouco
atrasados, juraram ter visto o jagunço Angelin – já morto – na entrada da
igreja com a sua habitual capa preta.
“Hoje, traze-Me as almas que
se encontram na prisão do Purgatório e mergulha-as no abismo da Minha
misericórdia.”
Como o Seu Olice já tinha
comentado com os outros sobre as suas impressões na entrada da igreja, todo
mundo tratou de olhar para trás logo que o padre começou a novena, mas o que
viram foi um vulto fugido, como o tinha sido Angelin em vida.
Ninguém mais queria ficar na
igreja e todos pediram ao Padre Dimas que trocasse de novena, pois que esta
estava atraindo almas do outro mundo, ao que o padre respondeu que só tinha
conhecimento daquela, mas não teve negociação, todos foram para casa assustados
e arrepiados, alguns correndo e esquecendo seus cavalos.
No nono e último dia da novena
que seria realizada no Cemitério às oito horas da manhã em honra ao dia de
Finados, o padre tinha sérias dúvidas quanto ao aparecimento do povo por lá,
mas surpreso, encontrou as beatas encasacadas a acender as velas na Cruz Mestra
e uma multidão que vinha aparecendo pela estrada.
O padre, que de cabeça baixa,
já a rezar, postou-se em frente a Cruz Mestra e de olhos fechados disse:
“Hoje, traze-Me as almas
tíbias e mergulha-as no abismo da Minha misericórdia.”
Finda a novena, o padre abriu
os olhos e não viu ninguém.
Nem o povo tão seu conhecido,
tampouco as gentes que estavam por lá e aquelas que estavam chegando. Olhou
para a Cruz Mestra e não encontrou nenhuma vela acesa e nenhuma das beatas.
Ficou muito assustado, começou
a rezar, acender velas e a benzer as tumbas quando viu chegarem pessoas tão
suas conhecidas: o povo da Campina!
E o padre não entendeu nada e
perguntou por que não tinham aparecido às 8 horas para a Missa e a novena e o
povo respondeu como num pacto com o além:
“Mas ainda nem é oito horas
seu padre.”
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