segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

ESTOU TÃO FELIZ ESTA MANHÃ!



Até que a tarefa de observação não esteve ruim hoje, apesar daquela casa da esquina, o sobrado onde morou o doutor Pérsio, não me parecer local adequado. Mas tem a escola. Sábado passado vi uma mulher entrando lá com dois deles. Pelo jeito me pareceu ser a zeladora, ou mulher do zelador, sei lá. O chato é o velhinho do prédio da frente, fica varrendo a calçada naquele descanso de não ter mais fim, só pra não ficar sem nada pra fazer. É, custa nada tentar hoje mesmo. O negócio é dar um jeito de azeitar o bicho, se não me engano tem mais de cinco dias que nem pego nele. Compra boa foi essa, uma mixaria, e ainda com duas caixas cheinhas! O que é a tecnologia, hein! Antigamente, tinha jeito não, era todo aquele estrondo, e a gente tinha que correr pra outras bandas se quisesse curtir um negócio desses sem perigo de ser pego no flagra. A Rita falou que ia dar uma chegadinha lá na Zilá, depois da janta, horário melhor não tem. Ah! Não vejo a hora!
O problema é que um daqueles da mulher da escola me deu a impressão de ser bem arisco, melhor mesmo deve ser o outro, o da casa da esquina. Atravesso bem pro lado do ponto de ônibus, e de lá dá pra ver eles direitinho. No máximo, uns quatro, cinco metros, não pode é aparecer aquela moreninha do outro dia, com o namoradinho dela. Ficaram se esfregando um tempão, logo ali pertinho, no muro de pedra. Nesse caso a coisa fica mais difícil. Vamos ver! Só não posso é deixar ele onde está, outro dia mesmo a Rita perguntou que caixa era aquela. Negócio de um colega lá do trabalho, amor. A danada querendo xeretar. Vez em quando dá umas incertas na garagem, preciso tomar cuidado. Isso é coisa do Coutinho, amor, falei. Que Coutinho? Ora que Coutinho, Rita! Aquele da festa de quinze anos da filha da Eronildes, tu não lembra? Um careca, fiscal da Receita Federal. Sacana essa minha mulher! Balança a cabeça, assim como quem se lembra, mas é só eu virar as costas e lá vai ela xeretar de novo. Tenho é que mudar o bagulho de lugar. Qualquer hora, olha ela desembrulhando, e aí a coisa vai ficar feia. Como é que eu vou explicar? Melhor desentocar de lá, camuflar em um outro ponto, fora da garagem, mas onde? Mulher esperta está ali, mas não troco ela por nenhuma, isso eu não faço mesmo, nem que a vaca tussa! Só se ela vacilar, é lógico, eu até que tenho andado direitinho com ela, pianinho mesmo, posso bobear não, a malandra parece até que sente o cheiro de outra mulher. Mas também já lá se vão o quê? Setembro agora faz o quê? Mais de nove anos que estamos nessa, juntinhos, pro que der e vier. Tenho do que me queixar, não. Com aquela tal de Marli, do churrasco, é que não posso bobear, chegou até a se debruçar num exagero de pegar cerveja naquela tina do gelo, mais pra se exibir, a peitaria pulando fora da camiseta. Sacana! Mas sei que o Borges é que está beliscando aquilo, o safado não me engana. Ano que vem emplaco meus cinqüenta e oito, começar do zero novamente é que não dá, a essa altura do campeonato.
A minha Rita é legal, boa companheira, me entende direitinho na hora do amorzinho, sabe cuidar de mim, econômica, dinheiro com ela parece de borracha. Mulher de ouro mesmo! Merece ser sacaneada, não! Quando a gente começou a se entender, vi de cara que era pegar ou largar, tinha urubu só rondando a carniça. Lá na vila da mãe dela, era aquela rapaziada assim de shortinho de play boy, sentada na calçada, exibindo as coxas de atleta, coçando o saco, de olho na moreninha da casa quatro, a minha Rita. Foi preciso eu começar a fazer cara de poucos amigos, não cumprimentar. Ihhh, Fofinho, você parece que faz pouco deles! É tudo rapaz direito, fazendo faculdade! Tá! Eu que bobeie! Se não desse uma de dono do terreiro, dançava mesmo! Bom, quase sete horas, não posso bobear, tenho que dar uma de sonso, deixar que ela diga que vai dar um pulinho na Zilá. Aí então dou uns cinco, dez minutinhos, e me mando pro lado da ladeirinha. Quando aquelas duas pegam de papo furado, bota hora nisso, ainda mais agora que a Zilá recebeu uns negócios dos Estados Unidos, daquela prima que mora lá, uns filmes, um montão de fotos e coisa e tal. A Rita me falou, queria que eu fosse com ela só pra dar uma espiada, tomar um cafezinho. Qualquer hora, amor, qualquer hora! Dá um abraço nela que eu mandei, vou ficar por aqui mesmo, vão passar uma série do Ademir da Guia, os golaços dele no Palmeiras..., sei que é coisa da antiga, mas o garoto jogava um bolão, você era garota e não ligava. OK, você venceu: batata frita. Se eu demorar, esquenta aquela carne assada, viu? Tá bom, se preocupa não. Vai com Deus. Vamos agora ver o bichinho aqui: hmmm,... bem azeitado, precisa de mais óleo não. Lua bonita que está fazendo.
Boa noite, Seu Raimundo! É! Noite linda, né? Nenhuma nuvenzinha,.. aquele time só tem salto alto, e sabe o senhor de uma coisa? É mais fácil a gente trocar de mulher do que de time! Verdade, sabe mais? Quando eu era garoto, meu pai vivo, flamenguista doente, sabe como é que é. Cinco irmãos, mais eu. Todo mundo flamenguista, só eu Botafogo. Não vou mudar casaca agora, depois de velho. O quê? O Vasco? Leva a mal não, Seu Raimundo, conta outra! Aquele time de bacalhau? Pode crer. Está certo, a gente se vê, vou só ali na esquina, no boteco do Eduardo, o meu isqueiro está pifado. Não, não, se preocupa não. É bom pra espraiar um pouquinho, a noite está que é uma gostosura, olha só! A Rita? Deu uma saidinha, daqui a pouco está aí. Uma boa noite pro senhor, Seu Raimundo, e...ah, esqueci, e a sua filha, passou lá no vestibular? Só semana que vem? Diz pra garota meter as caras mesmo, porque pra quem tem estudo a coisa já está braba, que dirá então se não estudar! A gente se vê. Boa noite, recomendações à patroa. Agora vamos nós. Um deles está dando sinal de vida, ouvi o maligno daqui, tomara que seja algum lá da escola. Ali é mais claro. Que tesão sentir ele aqui no bolso da bermuda. Caminhar mais rápido, de repente, nunca se sabe, passa alguma patrulha, coisa rara por aqui, não iam querer me parar, cara de vagabundo não tenho. Mas não é bom brincar com o azar. Parece que vai esfriar, o que está demais é esse cheirinho, não sei que flor é essa, tenho que perguntar à Rita, mas como cheira gostoso! Bom demais, e engraçado é que é só de noite. São essas aí, branquinhas, um perfumezinho tão doce. Nem sinal daqueles dois namorados, tomara que vão se apalpar longe daqui, pelo menos esta noite. Lá está o diabo do bicho, é ele mesmo, já me viu, essa raça não é de fazer escândalo, só se a gente se aproximar demais.
Daqui já está bom. Não, uns dois passos mais, melhor assim, agora não tem erro não, safado! Ninguém à vista, janela do sobrado apagada, sai pra lá, gatinho, não é você que eu quero. Te prepara, condenado, chegou tua hora, fica assim mesmo, só olhando pra mim. Tira a minha fotografia, tira! Isso, não se mexa agora! O primeiro disparo tira um fino da grade do portão e faz aquele teeiiinnnc ressoante do metal, mas os outros dois pegam bem no meio da testa do encapetado, que não solta um grito sequer, só um rosnado meio rouco. Isso, estrebucha, que estou saindo de fininho! O negócio é papa fina mesmo, totalmente silencioso, um barulhinho de nada, ninguém apareceu, nenhum outro demônio latiu. Hasta la vista, baby, como diz aquele filme.
Voltar pra casa, que a carne assada da Rita deve estar uma maravilha. E por falar em carne, a outra, a da própria dona da casa, até que me cairia bem esta noite, estou estourando de felicidade. Mais um encapetado que despacho. Nem tremer o bicho tremeu. Com este de agora, se não me falha a memória, já são pra mais de vinte, contando aqueles lá do Engenho Novo. Cruz credo, amor, sabe o babado que está rolando aí pela rua? Diz que um cachorro do vigia lá da escola amanheceu com dois buracos de bala na cabeça. Mortinho, tadinho! Está rindo de que, Fofinho? Ah,.. com dois buracos na cabeça, claro que tinha que estar mortinho, né, Rita? Algum ladrão, na certa quis pular o muro, o bicho veio e o cara meteu o dedo, bandidão não brinca em serviço não, filha! Ladrão nada, filho, diz que o portão estava com corrente e cadeado, que ninguém mexeu em nada, acredita? Estou falando sério, benzinho, quase toda semana matam um cachorro a tiro aqui perto, e o pior é que ninguém ouve nada! Coisa esquisita. Dá uma pena! Diz que o sangue empapou todo o cimento da entrada da escola..., estou brincando não, bota essa mão boba pra lá, deixa de safadeza! Tão carente esse meu homem! Rita, ó, minha delícia de mulher, chega pra cá, chega! Estou tão feliz esta manhã, Ritinha, vem,...vem, neguinha..., esquece essa história de cachorro morto, minha cachorrinha!



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Um comentário:

  1. Olá, Heitor! Também fiquei 'feliz' - para fazer alusão ao título do conto - com outra participação sua aqui no Sem Vergonha de Contar. Trata-se de um conto 'forte' porque retrata uma felicidade mais 'real' do que muitos querem enxergar. Mas a função do escritor é essa: mostrar o mundo como ele o vê, ou como ele é (talvez), embora muitos não queiram aceitar. Há muitos anos vivemos em Estado de Emergência no mundo todo e por isso mesmo essa grande desilusão no ser humano. Um Feliz 2013 para você, sucesso em sua carreira e não deixe de nos informar seus lançamentos. Um abraço fraterno, Helena Frenzel.

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