terça-feira, 31 de dezembro de 2013

COMO DEIXEI DE FUMAR


Por Ysolda Cabral 

Fumei dos onze aos quarenta anos. Com apenas uma interrupção no período gestacional. Fumava porque gostava de fumar. E, achava que, no dia que eu quisesse, pararia. Bastaria passar um dia sem o cigarro.
À medida que o tempo passava, mais dependente do fumo eu ficava. E, isto sem o cafezinho, pois nunca gostei de café.
E, mesmo com meu esposo sem fumar e uma filha muito alérgica eu não conseguia parar. Que vício desgraçado! — Mas nada fazia. Era totalmente dependente, tinha que admitir.
Ao completar quarenta anos, resolvi ir a um pneumologista. Ao concluir todos os exames e avaliações, o médico me deu os parabéns por meus pulmões terem agüentado o “tranco” tantos anos. E, acrescentou que, se eu parasse não teria nenhuma seqüela futura e este fato era coisa muito rara.
Então lhe disse que iria parar imediatamente e lhe contei que havia “enfiado” na minha cabeça que, se eu conseguisse passar um dia sem fumar, não fumaria mais. O médico foi radicalmente contra e prescreveu um “quite”, composto de contrato, vídeo, fita cassete e adesivos que eu teria que usar, a base de nicotina. Assim, eu deixaria de fumar gradativamente e ao mesmo tempo eliminaria essa substância maldita do meu organismo. E, garantiu que, se eu deixasse em um dia, com toda certeza, voltaria a fumar.
Comprei o tal “quite”, li o contrato e assinei. Tomei um banho e após me enxugar, abri a caixa dos adesivos. Tirei um, descartei e o colei no peito. Fui para o espelho, apenas vestida daquele pedaço de plástico ridículo e me encarei. Que imagem patética e deplorável!
Indignada comigo arranquei aquilo do peito, joguei na lixeira, me vesti e saí do banheiro pronta para a “batalha”. Pedi para o meu esposo avisar no meu trabalho que eu não iria naquele dia e, já que ele estava de férias, fosse passar o dia fora com a nossa filha.
Fiquei só e a vontade de fumar chegou avassaladora, da janela do nosso apartamento, vi um senhor passar lá em baixo na rua, e, sacudir o “góia”, ainda acesso e de tamanho generoso no asfalto. Fiquei a olhar fascinada aquele “toco” de cigarro. Apavorei-me e pensei: meu Deus do Céu a que ponto cheguei!! Morri de vergonha e chorei, chorei, chorei e rezei, e rezei e rezei... Ah! Nessas horas não tem coisa melhor!
O dia foi passando e fiquei também sem comer com medo de que se comesse a vontade de fumar aumentasse.
Finalmente, as 19:h, tomei um banho e cai na cama. Dormi na mesma hora de pura exaustão. Acordei às 07:h do outro dia. Botei a “cara” no chão e agradeci a Deus. HAVIA DEIXADO DE FUMAR.
Feliz, fui trabalhar. Ao chegar no meu local de trabalho, contei para uma colega — fumante inveterada — que havia conseguido deixar de fumar e em apenas um dia. Ela deu uma risada debochada e duvidosa. Pegou um cigarro, acendeu, soprou na minha cara e me ofereceu.
Agradeci-lhe a “gentileza” e ainda agradeço.
Faz quatorze anos que deixei de fumar sem nunca ter tido vontade de voltar.
Faça o mesmo. Você consegue!
*  *  * 

Todos os direitos reservados à autora, texto reproduzido com permissão.



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sábado, 28 de dezembro de 2013

Nem um, nem outro

(Ou das relações entre inspiração e cigarros)

Por Ailton Augusto

O hábito de fumar era, nele, antes pose que vício. O de beber, também. Tanto assim que ele não comprometia o orçamento para comprar destilados ou cigarros. Aliás, cada cigarro e cada drinque era consumido com parcimônia e cálculo excessivos: quase sempre o ato de fumar se restringia às reuniões sociais a que era convidado como promessa da nova geração de escritores.

Apesar de enquadrado como escritor de uma possível nova geração havia aí dois erros de avaliação dos "amigos" — na verdade, pessoas que, como ele, buscavam apenas um pequeno reconhecimento que ajudasse a despistar as agruras do viver. O primeiro erro dizia respeito ao caráter de sua produção: antes de ser nova, ela guardava, isso sim, profunda relação com coisas já ditas e se o nome dele não sugerisse nada ao leitor menos atento à "nova cena literária", suas frases poderiam quase ser acusadas de plágio por conta da emulação que fazia do estilo de outros autores mais famosos. Além disso, já havia tempo que ele se dedicava à escrita.

O segundo erro, diga-se de passagem, também se relacionava com o tempo. Não o tempo que se presume no estilo de um autor (que pode, como era o caso, remontar ao final do século XIX ou à primeira metade do século XX), mas sim ao tempo mesmo, esse que malvadamente tinge de branco os cabelos e faz soar engraçada a inclusão de um jovem senhor entre os valores da nova geração.

No momento em que este conto começa, encontra-se esse escritor às voltas com um poema de encomenda que precisava terminar para um recital organizado para recepção aos calouros do curso de Letras da universidade local. Ele precisava caprichar porque o evento seria realizado no auditório da faculdade com toda a pompa necessária. Necessária, note-se, não às boas-vindas, mas aos que dela tomariam parte, tirariam fotos, encheriam as redes sociais com demonstrações de pertencimento à "haute culture" e de possuir boas amizades.

O problema, porém, passava longe desse jogo de aparências. Era um problema de jogo sim, mas de palavras. Ele não conseguia acertar uma rima rica e se doía todo. Riscava e rabiscava seu rascunho, abria e fechava seus muitos dicionários. Sem sucesso.

Nesse momento, produziu-se uma ruptura em sua vida tão calculada: pela primeira vez ele fumava fora das situações previstas, sem piteira, sem pose, sem testemunhas deste ato tantas vezes destituído de sentido. Agora não: ele fumava sofregamente, à espera de que suas dificuldades de escrita se desvanecessem na fumaça.

Ele, agora convertido na lagarta de Alice, tragou um, dois, três e muitos outros cigarros até que acabaram todos. Não tinha outro maço de cigarros em casa e não tinha encontrado ainda a palavra salvadora, aquela que seria a chave de ouro de um soneto perfeito, cujo rascunho dava prova de quantas vezes fora buscado.

Decidiu, então, sair para comprar cigarros e arejar a cabeça. Por azar era dia de feriado e teve de andar mais de dez quarteirões até encontrar uma padaria aberta onde enfim pudesse comprá-los. Enfiou o maço no bolso, junto de uma caneta e longe de um isqueiro, tão comum no bolso dos fumantes verdadeiramente inveterados. Em seguida, tomou o caminho de volta para casa. Ia pelo terceiro quarteirão quando veio, nítida, a palavra que faltava ao seu poema. Desesperou-se: estava longe de casa, sem papel, sem salvação para seu poema. Tinha medo de ser traído pela memória e mais medo sentiu quando os primeiros pingos grossos de uma chuva inesperada chocaram-se contra o chão.

Foi o tempo de esconder-se sob uma marquise e a um temporal desfeito arriar. Teve, aí, uma atitude digna de seu desespero e condizente com a relação frouxa que mantinha com o cigarro: abriu o maço e jogou todo seu conteúdo fora. Vinte pequenos cilindros brancos se sujaram ao tocar o asfalto. Vinte pequenos cilindros brancos desceram indefesos junto à enxurrada até encontrar a boca de lobo mais próxima, cilindros brancos como pedaços de um navio naufragado. No papel do maço vazio ele escreveu com letra trôpega, emocionada e convulsa a palavra tão ansiada. E esquecendo-se de tudo o mais, enfiou-se embaixo da chuva para voltar rápido para casa.

Chegando, pôde enfim terminar seu poema. Contudo, o corpo ressentiu-se de tão intensos acontecimentos e também da chuva, entregando-se a uma gripe monumental que o impediu de participar do sarau. Aborrecido, teve de contentar-se com ouvir os comentários dos amigos, dos quais muito poucos lamentaram sua ausência. O mais triste porém foi uma crítica que lhe fizeram, aliás injusta. Consta que um dos presentes ao evento, ao saber do motivo de sua falta de comparência, comentou: "Saiu para comprar cigarros debaixo de uma chuva daquelas? Veja você a que ponto o vício leva o ser humano!"


Poucos sabem, mas foi esse comentário quem sepultou uma carreira literária que, dizem, prometia muito. Aquele autor da "nova geração" sentiu-se desgostoso ao ser tachado de viciado e não quis, por excessivo cálculo e pudor, desfazer o mal-entendido. Ele terminou seus dias sem cigarros, pois fumar já não tinha razão de ser (a menos, claro, que ele quisesse confirmar um vício inexistente) e sem o reconhecimento literário que tanto buscara.






Nota: Assumimos que este texto se trata de ficção, ou seja: não se refere a pessoas e fatos do mundo real nem emite sobre eles juízo ou opinião. Ele nos foi enviado para publicação pelo(a) próprio(a) autor(a), sendo aqui reproduzido conforme o original recebido. É de autoria e inteira responsabilidade do(a) autor(a), que detém sobre o mesmo todos os direitos autorais. Este texto não representa, necessariamente, a opinião das editoras e de outros autores deste site. 

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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Reações Inexplicáveis


Por Celêdian Assis de Sousa

Estava concluindo um relatório que eu iniciara outro dia e que havia deixado inacabado, quando percebi que não tinha mais cigarros. Fico agoniado quando não os tenho por perto, mesmo que seja um cigarro queimando no cinzeiro, esquecido entre um trago e outro. Isso me acontece frequentemente, quando estou trabalhando e fico completamente absorto. Meu escritório funciona na minha própria casa, pois detesto muita gente por perto.

 Liaaaaaaaaaaaaaaa... Berrei a plenos pulmões. Lia não demorou a aparecer e com um ar de menina assustada, como sempre se mostrava quando eu a chamava.
 O que foi desta vez, meu marido?
 Vá lá na padaria comprar meus cigarros!
Minha esposa já estava acostumada com meu jeito, sabia que em momentos que estou ocupado, me transformo e pareço nervoso, mas acho que ela nem se incomodava mais, afinal estávamos casados por doze anos ou mais, não me lembro bem. Assim, mais uma vez obedeceu sem questionar, apanhou o dinheiro na minha carteira e saiu, voltando em seguida com a encomenda. Estranhei a atitude dela, pela primeira vez teve um gesto brusco, como se tivesse ganhado coragem para mostrar alguma indignação — sabe-se lá por que. Jogou a carteira de cigarros sobre a minha mesa e saiu dali batendo a porta atrás de si, fortemente. Não entendi bem aquela reação e a chamei novamente.
 Liaaaaaaaaaaaaaaaaa... Dessa vez ela não veio e apenas gritou que eu a deixasse em paz. Fiquei irritadíssimo! Levantei-me de súbito e fui ao seu encontro.
 Quem te deu o direito de gritar assim comigo, mulher? Quem você pensa que é? Está nervosinha, por quê?
Fiquei ainda mais irritado com o silêncio de Lia. Ela simplesmente me ignorou. Não me contive, a segurei pelos braços, a sacudi e exigi uma explicação. Nada  nem uma palavra. Furioso, saí de perto dela e mandei que me trouxesse um café. Passamos alguns dias sem nos falarmos, exceto quando eu precisava de alguma coisa. Lia não passava mais as tardes em casa — cismou de fazer um curso de corte e costura, o que eu achava uma besteira, mas acabei concordando. Felizmente, ela resolveu voltar a tratar-me bem como antes, parecia mais alegre. Eu nem precisava mais mandar ou pedir para fazer alguma coisa.

 Querido, você tem cigarros suficientes para hoje? Posso comprá-los se você quiser.
Respondi que sim, deveria comprar os cigarros e que não demorasse. Lia retirou o dinheiro da minha carteira e saiu. Eu estava tão envolvido com o que estava escrevendo, que nem percebi que estava com fome e nem tampouco que já era noite.
 Liaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa... Onde você está? Por que não me chamou ainda para o jantar?
Silêncio absoluto. Vasculhei toda a casa e Lia não estava. Fui até o portão de entrada, esperei por alguns minutos e ela não apareceu. Passei a noite em claro e não sabia o que fazer. Amanheceu, resolvi ir à padaria, onde ela costumava comprar os meus cigarros e ainda meio sem jeito, perguntei para a moça do caixa, nossa velha conhecida, se havia visto Lia na tarde anterior.
 Sim senhor, eu a vi. Ela até pediu-me para entregar-lhe este bilhete aqui.
Recebi o bilhete e já muito aflito, corri para minha casa e o li:

“Querido” marido!
Sempre ouvi histórias de homens que saíram de casa para comprar cigarros e jamais voltaram. Não entendia bem o porquê de sempre usarem essa mesma desculpa. Achava pouco criativo. Entretanto, só agora entendi que as pessoas não precisam de uma boa desculpa para tomar uma decisão. O que elas precisam mesmo é de coragem para sair em busca de um belo motivo para ser feliz. Foi o que fiz! Não adianta gritar, berrar pelo meu nome (mudei de nome), pois fui buscar seus cigarros nas estrelas e elas estão distantes a anos luz, de você. Não escolhi as estrelas por acaso, mas é que alguém me ensinou a percebê-las, enquanto você não percebia que apenas “é preciso amar para entendê-las*”.  Ah! Um conselho: pare de fumar. Adeus!

Acho que desmaiei, não sei por quanto tempo. Quando recobrei os sentidos, só uma coisa me vinha à mente: nunca vou entender porque a minha Lia me deixou, mas de uma coisa agora tenho certeza  — fumar faz mesmo muito mal.


* Verso do poema Via Láctea – Olavo Bilac






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