segunda-feira, 15 de abril de 2013

SETE FALHAS E UMA SENTENÇA




Maria se dirigia ao estacionamento após o expediente de trabalho, quando passou em frente a uma lanchonete popular da qual exalava um cheiro de fritura de pastéis, não resistiu, entrou e pediu a promoção do dia: três pastéis de carne e um copo de caldo de cana. Enquanto comia avidamente já fazia um novo pedido de pastéis de palmito, aqueles que ela viu a moça ao seu lado esquerdo comendo. Ao seu lado direito um rapaz se deliciava com um enorme sorvete de vários sabores, com calda de morango e outros complementos — uma tortura para Maria, pois a garçonete ainda estava fritando os pastéis e ela já pensava no sorvete como sobremesa. Parecia que lambia aquele sorvete com o seu olhar de gula, de cobiça, que até chegou a incomodar o rapaz e o fez mudar de lugar. Comeu mais três pastéis e em seguida pediu a sobremesa. Foi ao caixa pagar o que consumiu e acabou levando também uma barra de chocolate. Saiu dali e passou no supermercado, teria que comprar algumas coisas para o jantar.
Assim que desceu do carro em frente de sua casa encontrou um mendigo sentado na calçada e ele, vendo Maria com as sacolas de supermercado, pediu a ela que lhe desse algo para comer. Ela o olhou de soslaio, com desdém e desconfiança, a média distância. Olhou para suas compras e pensou rapidamente: vou precisar do leite, dos pães, do presunto e mussarela para meu lanche e as frutas estão na conta certa para a vitamina do meu café da manhã; a carne já assada é o meu jantar; só está sobrando mesmo o macarrão instantâneo, que deixo para a emergência da fome quando acordo de madrugada, mas como ele não tem onde cozinha-lo... O mendigo continuava olhando para ela como se entendesse o que aquele olhar dizia: — pode ser qualquer coisa Dona, eu só estou com fome, pode ser um pão, uma fruta, um biscoito, leite, ou qualquer outra coisa que já esteja pronta. Maria esboçou um sorriso forçado de simpatia e então respondeu: — sinto muito, só tenho “Miojo”, fica para outra vez. O mendigo apenas resmungou: — você pode não ter outra vez, sua velha avarenta.
Maria chegou a sua casa e deparou-se com a porta de entrada aberta. Qual foi a sua decepção ao entrar e ver todas as suas coisas remexidas e espalhadas pela sala, pelo quarto. Teve um ataque de ira e passou a excomungar o ordinário que teria feito aquela barbaridade. Tomou o telefone e chamou a polícia. O atendente lhe disse que aguardasse, pois mandaria investigar, mas naquele momento não havia pessoal disponível, em função da prioridade de um caso de assassinato de uma família inteira que acontecera há pouco. Ela não podia conter-se de tanta raiva.
Ela esperou afoita e muito enfurecida por mais de duas horas e nada da polícia aparecer para lavrar a ocorrência. Ligou novamente e dessa vez falando impropérios e pelos quais, ouviu respostas inicialmente muito polidas e depois de algum tempo à altura do que ela proferia. — o senhor sabe com quem está falando? O atendente respondeu: — sim, eu sei, é com uma mulher mal educada, orgulhosa e tão vaidosa, que pensa que é dona do mundo, que todos estão a sua disposição quando quer alguma coisa. E a senhora sabe com quem está falando? Maria respondeu: — claro que sei, é com um empregadinho qualquer que não sabe fazer o seu trabalho e que vai se arrepender quando eu falar com seu superior e quando perder o seu emprego. Bateu o telefone no gancho e em seguida procurou em sua agenda pelo número do seu amigo coronel.
O coronel assim que soube de quem era a ligação se dispôs a atendê-la prontamente. Tratou-a muito amavelmente e em poucos segundos, já estavam falando com muita intimidade e em um tom que exalava muita sensualidade. Maria preparou o terreno para um encontro no dia seguinte, prometendo-lhe loucuras, excitando-o com a lembrança de todos os fetiches dele, que ela já conhecia tão bem. O coronel já completamente dominado pelo desejo, imaginando toda a luxúria que desfrutariam no dia seguinte, disse: — peça o que quiser minha deusa e eu farei. Maria então pediu-lhe: — despeça ou puna aquele atendentezinho que não me atendeu como devia, manda investigar e prender quem assaltou minha casa. Só então o coronel recobrou-se da excitação, mas ainda assim disse para Maria: — não se preocupa minha querida, eu restituirei todas as suas perdas e tudo mais que você quiser. Do outro lado, ela sorria maliciosamente enquanto despedia-se de seu amante.
Quase que de imediato, assim que terminou a ligação para o coronel, a polícia bateu à porta da casa de Maria. Fizeram as perguntas de praxe, verificaram o local, lavraram a ocorrência e se retiraram, prometendo que em breve ela seria comunicada sobre o andamento das investigações. A vizinha incomodada com toda aquela movimentação apareceu e prontificou-se a ajudá-la na arrumação. Maria aceitou prontamente e muito feliz por achar alguém que ajeitasse toda aquela bagunça, afinal ela morria de preguiça e só de pensar que perderia suas horas de ócio frente ao computador ou a TV, já estava irritadíssima. A vizinha deu logo expediente, e muito esperta, em pouco tempo colocou quase tudo nos lugares, enquanto Maria havia saído, com uma desculpa de que tinha um compromisso inadiável naquele momento.
Voltando depois para casa, Maria sorriu quando se deparou com tudo arrumado, tomou o telefone e agradeceu à vizinha. Tomou um banho, foi à cozinha para preparar o seu jantar. Na confusão que estava sua casa mais cedo, esquecera de colocar os alimentos das sacolas com as compras de supermercado, na geladeira. Não havia nada para comer, já que nem o macarrão instantâneo havia sobrado. As sacolas haviam sido jogadas no lixo pela vizinha durante a arrumação, ela não percebera que se tratava de compras, pensou que fossem mesmo sacos de lixo. Maria então revirou a bolsa à procura de dinheiro, sairia para comprar alguma comida. Não havia nenhum dinheiro e nem cartão de crédito, ou débito. Ela esquecera a carteira onde costumava guardar essas coisas, na gaveta do escritório no qual trabalhava. Completamente desorientada, ligou para o coronel, que não atendeu à ligação. Já passava das 21 horas e certamente ele estava junto de sua esposa naquele momento. Sem ter o que fazer, tomou seus comprimidos para dormir e desabafou: — é nessas horas que morro de inveja das esposas.
Ao levantar-se no dia seguinte, acordada por uma forte dor de cabeça, Maria lembrou-se de que tinha uma consulta agendada naquela manhã. Aprontou-se e foi. No consultório do psiquiatra, depois de ouvi-la ele foi categórico e como se desse a ela uma sentença, disse-lhe: — a senhora precisa de internação! Ouvindo aquilo, Maria deu-lhe as costas e gargalhando saiu dali e rumou para uma igreja próxima. A caminho da igreja não pensava em outra coisa senão: eu preciso de um padre, preciso fazer uma confissão. Foi quando ainda na porta deparou-se com aquele mendigo ao qual negara comida e ele a olhou de soslaio, com desdém e desconfiança, a média distância e disse-lhe: — há mais peso na sua consciência, que a fome que eu tinha naquele dia. Maria ouviu aquela frase e ficou muito confusa. Entrou na igreja, enquanto tentava meditar, decidiu: melhor é ouvir o meu psiquiatra.



Celêdian Assis de Sousa mantém uma escrivaninha no site Recanto dasLetras e o blog Sutilezas da Alma e Mente.


Celêdian, muito obrigada por tão gentilmente ter atendido ao nosso convite e ter-nos dado a honra de apresentar um texto seu aqui no blog. Volte sempre!

Carinhosamente,

Helena e Michele.





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10 comentários:

  1. Olá, Helena e Michele!

    Sou eu quem deve agradecê-las pelo convite e por disponibilizarem este espaço tão sério e bem gerido, para a publicação de um texto meu. Me sinto honrada e feliz por estar aqui. Obrigada.
    Um grande abraço para vocês.
    Celêdian Assis

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  2. Excelente! Adorei seu conto, minha querida Celêdian. É daqueles textos saborosos que a gente não quer que termine nunca. Muito humor e expectativa são os ingredientes desta mais nova perola da Celêdian Assis. Parabéns.

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    1. Obrigada, Carlos, por sua presença aqui no blog. Volte sempre!

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  3. Obrigada, meu querido Carlos Lopes, é sempre prazeroso contar com a sua leitura e apreciação de meus textos.
    Um abraço,
    Celêdian

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  4. Um conto excelente que nos instiga e incomoda nosso egoísmo e ânsia por ter e ter. Encantada, caríssima. Abraço, Meriam

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    1. Encantada também com sua visita aqui no blog. Este espaço também é seu, Meriam, você sabe. Volte sempre!

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    2. Obrigada, Merian, é um prazer recebê-la e contar com sua leitura. Grande abraço.
      Celêdian

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  5. Muito bom o conto! Mas que mulher perturbada, essa... adorei a leitura, achei-o muito interessante, daqueles que a gente não consegue largar.

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    1. Obrigada, Ana, é uma honra receber a sua apreciação, de uma contista notável como você. É o que me motiva a seguir em frente. Um abraço.

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  6. Olá minha cara Celêdian...um texto expressivo, inteligente, abrangendo esses pecados que geralmente se comete, ou querendo ou inadvertidamente....a sua facilidade de escrever, ligada a sua invulgar capacidade de criar nos remete, sempre, a belíssimos textos...parabéns...meu abraço...ansilgus.

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