quinta-feira, 29 de agosto de 2013

SOL



Por Ildeu Geraldo de Araújo

Estava casado com Cleonice há 15 anos. Nossa vida transcorria numa normalidade que me agradava, pois sou uma pessoa tranquila, um tanto convencional; pelo menos achava que era, naquela época. A objetividade de Cleonice combinava com meu temperamento e os dias se sucediam numa confortável monotonia. A decisão de ir a Buenos Aires obedeceu a razões práticas: eu tinha um negócio a tratar na cidade, a estada seria paga pela empresa, a única despesa seria a passagem para minha esposa.
Ir a um espetáculo de tango é uma obrigação para todo turista em primeira viagem à capital portenha. Olhei, com má vontade, o ambiente pretensamente luxuoso e sem dúvida decadente. Ocupamos uma mesa de pista, pedimos um espumante e aguardamos o início do espetáculo conversando amenidades.
Aos primeiros acordes do bandoneon, uma luz, vinda não se sabe de onde, refletiu no drapeado das cortinas, conferindo-lhe um tom bordeaux e alargando o espaço, como se as paredes recuassem. A plateia desapareceu, estava sozinho num imenso salão. Sol, emergiu do fundo da pista de dança e caminhou na minha direção, num passo ondulante que alternava uma perna vestida de negro e outra, muito alva, inteiramente desvelada pelo rasgo de sua saia. Ela olhou-me como nenhuma mulher jamais me olhou, nem antes nem depois daquele momento mágico. Um olhar de desejo, de ternura e de entrega. Com um gesto me atraiu para seus braços. Sem qualquer possibilidade de resistir, mergulhei no abismo daquele convite e evoluímos pelo salão numa coreografia rebuscada que nossos corpos conheciam desde a criação do mundo.
Dançamos durante horas, envolvidos pela melodia apaixonante dos violinos e bandoneons. Nossos corpos pulsavam em sintonia com o ritmo passional do tango, numa exaltação de desejo e de prazer. Éramos o único par no salão, os outros casais formavam uma roda, contemplando nossas evoluções. Aos poucos foram aderindo à dança, até que o salão ficou repleto. Sol levou-me para seu camarim, olhou-me no fundo dos olhos e disse com sua voz rouca: Por que demoraste tanto? Venho aqui todos os dias à tua procura. Hoje você me encontrou beijei sua boca rubra, primeiro como quem prova uma fruta exótica, depois com a intensidade de uma paixão avassaladora.
Ficamos dias e noites num idílio sem trégua, a vida suspensa, envoltos na única realidade de um desejo sem medida seguido de um arrebatador prazer que reacendia um desejo maior ainda.
Uma tarde acordei sozinho num aposento vazio. Sol ocultara-se. Chamei por ela, gritei  seu nome, revirei as gavetas. Sentei-me na cama, que conservava as marcas da nossa paixão, ainda aturdido com aquela loucura, quando bateram na porta. És o Sr. Pedro Faria? Respondi sim com um gesto. O policial afastou-se deixando Cleonice se aproximar vista a roupa, querido, vamos para casa.


*Ildeu Geraldo de Araújo é mineiro e descobriu na escrita uma nova fonte de realização e alegria. Conheça mais textos do Autor no blog www.contosefolhetins.com.br 



Este texto foi publicado também no site Recanto das Letras e aqui reproduzido com a devida permissão: www.recantodasletras.com.br/contos/4393058



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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Um Estranho Despertar



Por Carcius Jacinto


Era sábado, uma manhã fria de outono em Jackson, um condado do Kansas. Michael acorda com o seu cachorro lambendo sua cara e se arrastando aos seus pés umas oito da manhã. Na verdade ele deveria ter sido acordado às 7 horas para ir trabalhar, mas o despertador não tocou nem sua mãe viera lhe chamar.
Ele levanta assustado, preocupado com o atraso e corre para escovar os dentes e tomar banho, passa pela copa e percebe que ninguém tomou café, aliás que nem tem café na mesa. De repente ele cai na real e enfim percebe que está só em casa. Ninguém está nos quartos nem em nenhum lugar que ele procure. Então ele liga para o celular de todas as pessoas da casa e todos os números tocam normalmente... nos quartos de cada um!
Desesperado Michael abre a porta e parte em direção às casas dos vizinhos para saber se alguém viu seus familiares. Enquanto corre, ele vê passar um filme em sua cabeça sobre todos os momentos felizes que vivera com seus pais e irmãos. Não podia ser verdade aquilo que estava acontecendo. Mas era tudo tão real e ao mesmo tempo tão louco... Para sua surpresa, Michael não encontra ninguém nas ruas ou nas outras casas próximas da sua.
Então ele corre sem destino pelas avenidas do seu bairro gritando pelo nome de seus familiares e de repente ele escuta ao longe o som do alarme do relógio do seu quarto e acorda assustado e aliviado por ver que era tudo um sonho, apenas um terrível pesadelo.
Mesmo assim Michael levanta-se, dessa vez desconfiado, e procura pelos outros integrantes de sua família e para sua alegria estavam todos ali: mãe, pai, irmão, irmã e até o seu cachorro lambão estava embaixo da mesa.
Sem comentar nada Michael beijou todos e agradeceu a Deus por ter todos os seus familiares ali com ele. E então foi trabalhar pensando no seu sonho estranho e em como ele precisava dar valor àquelas pessoas tão especiais que ele via todos os dias, mas que estaria completamente perdido se de repente acordasse sem eles.




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segunda-feira, 19 de agosto de 2013

15 'RAPIDINHOS'!




Por João Bosco da Cruz


Alice em Brasília
Um rato enorme passou correndo. Alice, não pensou duas vezes; saiu correndo atrás dele... Foi parar em Brasília.




Aparência
Para ela o importante não era a aparência, 
sim o interior... do bolso.




Casa mal-assombrada
Não tinham dinheiro para alugar algo melhor então foram morar naquela velha casa, gentileza de um parente. Ao entrarem nela, a mulher comenta com o marido:

— Eu não sei, não! acho que essa casa é mal-assombrada!
Mal acabou de falar, escutou a voz de um fantasma, muito mal-humorado: —Mal-assombra-a-a-a-a-da coisa nenhuma!!! Eu faço muito bem o meu trabalho!!!




Falta de costume
— Socorro!!!! Um fantasma!!!

— Deixa de ser bobo, você também é um.
— Ah, é verdade...




Imagem
Além do seu corpo escultural e do belo bumbum, ela tinha muita inteligência e bondade, mas ninguém levava esse outro lado a sério.
A imagem já estava criada...




Longa história
 — Eram tão bons os seus minimalistas. Por que parou de escreve-los?
— Hum...é uma longa história...





Mestre do terror
Era um mestre em escrever contos de terror, todo livro que ele lançava "vendia horrores"...




O Mentiroso
A expressão "Dinheiro não traz felicidade" não saía de sua boca, mas era só a megasena acumular, que ele era o primeiro da fila.




Patrimônio histórico
O prefeito demorou tanto para tombar aquele prédio como patrimônio histórico, que o mesmo não aguentou: tombou!




Princesa insatisfeita
A princesa "Bela", muito decepcionada com o desempenho amoroso do principe, desabafava falando com os seus botões:
— Às vezes, me dá uma saudade da fera...




Quatro dias de folia
Ele não conseguia se conformar; como pôde ser tão burro! Em apenas quatro dias de folia, jogou fora vinte anos de casamento...




Romance policial
Escrevia romance policial como ninguém; os seus livros prendiam o leitor do começo ao fim.




Sepultamento
A morte chegou tarde, a vida já o havia sepultado...




Vagas para idosos
“Vagas para idosos”. Ficou feliz e cheio de esperança ao ler aquela placa. Finalmente ia conseguir um emprego, já que a sua aposentadoria não dava nem para o remédio. Qual não foi a sua decepção quando soube que eram vagas no estacionamento...





Volta por cima
Quando ninguém acreditava mais naquele piloto de avião, ele deu a volta por cima...




Textos publicados com a gentil permissão do autor.

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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Você não se importa




Por Perla Allvez

─ Você não se importa comigo! Estou cansado disso! ─ bateu a porta e foi embora.
Leila já estava acostumada a ouvir a frase: “Você não se importa...”. Já ouvira de seus pais, dos amigos ─ quando os teve ─ dos ex-namorados... Assim, Joaquim não a ofendera, nem mais, nem menos que todos os outros que já lhe haviam proferido aquelas palavras.
Ela já estava acostumada, por isso não chorou. Aliás, chorar era uma coisa rara de acontecer com Leila. Já nem sabia há quanto tempo a última lágrima correu por seu rosto.
Leila não era uma pessoa ruim, ao contrário, gostava de ajudar os outros e andava sempre com ração na bolsa para dar a algum gato ou cachorro abandonado, que pudesse encontrar pela rua.
Quando Joaquim conheceu Leila, não demorou muito pra se apaixonar por seu “mistério no olhar”, como ele mesmo descreveu. Começaram a namorar e eram até felizes, mas, passado o êxtase do início do romance, as brigas logo se abancaram. Joaquim gostava de mandar mensagens ao celular de Leila, dizendo o quanto a amava, mas se irritava quando ela respondia com um “eu também”, ou um “:)”, ou simplesmente não respondia.
Os homens precisam de alguém lhes afirmando as coisas que eles acham que sabem. Já as mulheres, não todas, mas as mulheres como Leila, não gostam de repetir coisas de que já sabem.
Leila amava Joaquim, de uma forma que ele jamais desconfiaria. Afinal, Leila nunca chegou nem perto de tentar falar a ele tudo o que havia em seu peito. Nunca chegou a falar, mas em seu pensamento Leila construía as mais lindas declarações para Joaquim, declarações que ele nunca ouviu, ninguém ouvira, somente Leila.
Ela era, ao mesmo tempo, atriz e plateia de seus monólogos tão extensos e tão complexos que nunca chegaram a sair de sua boca, porque um público de verdade a chamaria de louca. É, talvez Leila fosse mesmo louca.
As pessoas não a entendiam, ela sempre fora "estranha" aos olhares alheios, mas para si, Leila era uma pessoa normal, não tinha nada de mais, Leila se entendia bem e tinha uma excelente percepção sobre si. A única coisa na qual ela sabia que era diferente dos outros era quanto à sua incapacidade de falar sobre seus sentimentos, expor suas ideias, dizer coisas simples como um "senti sua falta" ou "eu gosto de você".
Alguns dias depois, Leila estava terminando mais um de seus quadros — tinha muito talento para a pintura — quando o telefone tocou:
─ Alô?
─ Srª Leila Aguiar?
─ Sim...
─ Aqui é do hospital...
Alguns segundos ouvindo ─ transtornada ─ o que a mulher lhe dizia do outro lado da linha e os objetos ao redor de Leila pareciam entrar em outro plano, em outra dimensão. Tudo ganhava um aspecto estranho, fluido e pálido... Leila larga o telefone aos prantos. Cai ao chão, derrubando suas tintas, pincéis e telas... Pintava-se naquela sala uma cena que Leila já havia visto algumas vezes.
Joaquim havia sofrido um acidente, morreu minutos depois de chegar ao hospital, seu último pedido foi que dissessem a Leila que ele a amara muito, mais que a qualquer outra pessoa na vida.
─ Por quê? ─ se perguntava Leila soluçando ─ Por que isso sempre acontece comigo, meu Deus? Ele ao menos conseguiu me dizer, pela última vez, dentre tantas, que me amava, enquanto eu, mal consegui dizer isso a ele umas três ou quatro vezes.
Leila já havia perdido seus pais e alguns amigos sem dizer a eles, ou relembrá-los que os amava, que sentia falta deles, que se importava com eles. Leila só não percebia que ela mesma ia se perdendo nessas perdas dos outros, perdia forças, perdia estímulo, perdia a vontade de viver. Leila precisava de ajuda, mas ninguém a ajudou.
Ninguém mais teve notícias de Leila.

site da autora: perlaallvez.blogspot.com.br


Texto publicado com a devida permissão da autora.


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