Por Michele Calliari Marchese
“Vai ser a maior festança!” Disse o Coronel Vitório no almoço daquele
dia. E tratou de contratar peões, comprar lâmpadas e fios para puxar a rede
elétrica do seu gerador até a Igreja. Fez tudo com um esmero lindo de se ver.
Mandou trazer da sua fazenda, a maior árvore de natal que alguém jamais viu em
sua vida.
Quando o caminhão chegou à Campina da Cascavel, teve que parar na
entrada, pois aquela árvore gigantesca iria destruir as casas da cidade. Todos
os homens correram para ajudar e conseguiram leva-la até a frente da Igreja,
onde já havia sido construído um pedestal de cimento que suportasse todo aquele
peso.
A esposa do Coronel tratou de convidar as comadres e as crianças para
enfeitar a árvore com os mais incríveis enfeites que trouxe de São Paulo para
aquela ocasião. Tudo lindo e maravilhoso, como devem ser todos os Natais.
O presépio era em escala natural e muitos levaram sustos ao se deparar
com aquelas estátuas que mais pareciam gentes. Inclusive a Dona Jadi tratou de
correr até a manjedoura porque jurava que era um bebê de verdade que lá dormia.
O Padre Dimas estava muito ansiado com o evento e tratou de transferir a
Missa do Galo que aconteceria à meia-noite para às oito horas, para que depois
todos fossem até a árvore para receber o Papai Noel, que viria a mando da
esposa do Coronel e distribuiria balas, confeitos e abraços. Nenhuma criança da
Campina havia visto um Papai Noel, de modo que a euforia era contagiante.
O delegado foi o único a prever que alguma desgraça aconteceria, fosse
pela sua profissão ou fosse pelo seu sexto sentido, o certo é que ele estava
certo. Mandou seu imediato ficar de tocaia e de revólver na cinta para o caso
de algum inconveniente.
O Padre finalmente badalou para a Missa do Galo das oito e disse sem
muitas delongas - já que todos estavam olhando para fora à espera que as luzes
se acendessem – que o Natal é o nascimento do Menino Jesus, que se preparassem
para recebê-lo naquele dia tão seu. Que Ele vinha distribuir o amor, a paz e a
esperança, mas que todos deveriam oferecer a Ele o que tinham de melhor: seus
corações. E pediu a todos que fizessem uma reflexão antes da ceia de Natal.
Dispensados com o habitual amém, todos correram para fora a esperar o
grandioso evento. As luzes acenderam quando o Coronel deu pela falta da sua
esposa; numa rápida corrida de olhos a viu saindo pela porta da sacristia
arrumando o cinto do vestido azul celeste. O Padre badalou o sino no mesmo
instante e fez com que o Coronel pensasse bobagem, já que andava meio
desconfiado da mulher, e quando olhou novamente para a porta da sacristia, viu
o Papai Noel ajeitando o cinto preto de sua roupa vermelha, e essa cena o fez
ver em sua cabeça a mulher ajeitando o cinto dela e ele ajeitando o cinto dele
e o Padre a badalar e aquele inferno de luzes piscando e crianças gritando sem
parar. Isso o deixou louco.
Louco de indecisões, pelo orgulho ferido, por tudo o que gastou naquele
Natal mais lindo do mundo e tinha que tomar providências, mesmo que fosse
contra o Papai Noel. Olhou se o revólver estava engatilhado e lembrou-se que
por um pedido da esposa, havia deixado o companheiro em casa; restavam-lhe os
punhos e uma raiva abateu-se sobre ele, e não viu nada e nem ninguém quando
atravessou a multidão, fazendo pessoas e crianças caírem no chão, indo em
direção àquele crápula do Papai Noel. A primeira coisa que fez quando chegou
perto do homem foi espantar as crianças que estavam ali e disse num assomo de
fúria que fez estremecer até o sino da Igreja: “Seu fedepê duma figa, você me
paga!” E avançou com o punho em riste, mas nesse instante as crianças que escutaram
os impropérios, começaram a gritar que o Coronel era malvado, que o Coronel
tinha chamado o Papai Noel de nomes feios, que o Coronel era isso e aquilo
outro.
A mulher do Coronel tratou de ficar entre as comadres, pedindo o que
estava acontecendo, pois de onde estava ela não enxergava nada.
Os pais das crianças acorreram em direção da balbúrdia e outra ainda
maior teve início, porque os pais foram para cima do Coronel que não conseguia
dizer nada, e até sua cegueira de louco havia passado, pois já se encontrava
alto do chão, carregado por muitos homens e por fim, o delegado apareceu.
Deu ordens de levar o arruaceiro até a delegacia e o deixou trancado lá
até que as festividades terminassem. Sozinho, o traído pôs os pensamentos em
ordem.
Quando tudo terminou e o delegado liberou o Vitório, a população ficou
extasiada com o espocar dos foguetes vindo da casa do benfeitor de Natal. Todos
saíram de suas casas e não viram nenhuma luz no céu, como é para acontecer
quando soltam foguetes, e o delegado resolveu contar os estouros – seis – e
ficou apavorado. Disse ao imediato que corresse, pois que o Coronel havia
descarregado sua arma em alguém, provavelmente no Papai Noel.
Chegaram lá cansadíssimos e encontraram o Coronel do lado de fora da
casa. Pediram-lhe de sua esposa e ele respondeu que ela ainda não havia voltado
das festividades e pediram também do Papai Noel – já que todo mundo sabia que a
esposa do Coronel o havia contratado – e o homem respondeu com um sorriso
benevolente nos lábios que o dito cujo deveria estar entregando presentes em
outra freguesia.
Copyright 2013 (c) - Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão da autora.
Comadre Michele, não fugindo à regra este é outro belo exemplar dos 'causos' da Campina, um Natal muito agitado tanto para o Vitório quando para o papai noel, e eu me pergunto onde terá ido parar o saco… de presentes, pois papai-noel sem saco não é papai-noel he he he… Taí, uma boa idéia para um causo. Feliz Ano Novo, Comadre, até!
ResponderExcluirObrigada Helena, mas como sempre acontece coisas inexplicáveis até mesmo em datas memoráveis, devemos prever o triste fim do Papai Noel da Campina da Cascavel! Atualmente ele chega de helicóptero devidamente escoltado... hahahahahah Beijos querida
ExcluirEita, que natal movimentado. rs.
ResponderExcluirE o coronel Vitório vendo coisas que não devia. rs.
muito bom, Michele.
Feliz ano novo. Abraço.
Rodrigo, obrigada pelas palavras! O Coronel Vitório foi o único que não aproveitou o Natal, mas ficou feliz com o desfecho e isso faz toda a diferença, e claro, não podemos deixar de enaltecer a incrível perspicácia do delegado da Campina da Cascavel, sempre pronto a prever desgraças e afins! Abraços
Excluir