quarta-feira, 26 de abril de 2017

Sobre as distrações, tropicões e afins

Por Michele Calliari Marchese

Esse causo é verdadeiro (como todos os que escrevi até hoje) e começo com ele: quando eu tinha perto de uns oito anos e voltava para casa do colégio, caminhava tranquilamente pela calçada quando uma mulher, que vinha em sentido contrário, apareceu à minha frente calçando chinelos de dedos cujos dedos dos pés apresentavam enormes unhas pintadas de verde; um verde exército (um verde oliva para ser mais exata) e aquilo me chamou tanto a atenção que bati a cabeça num poste e caí logo em seguida. Há quem ria, porém, há quem chore, como aconteceu comigo. Além do galo na testa e a poupança dolorida, fiquei com asco de postes.

Claro que essas coisas não acontecem só comigo ou com os distraídos ocasionais; acontecem com todo mundo de forma que variam entre leves – cujas risadas se atém dentro da boca – e as formas mais graves, cujas gargalhadas podem ser ouvidas pelos quarteirões afora.

Tropicões, esbarrões e afins estão em nossa carne e não adianta manter o foco, tem sempre uma ponta da lajota da calçada que sai do prumo para que você perca o foco e o equilíbrio, indo parar alguns metros à frente para depois olhar para todos os lados para ver se não tem ninguém olhando em seguida passa a rir sozinho morrendo de vergonha, porque todo mundo sabe que sempre tem alguém que enxerga as coisas que não são para enxergar.

Outro causo verdadeiramente verídico foi quando (já adulta) desci correndo  com a pressa que todos os jovens têm – umas escadas do capeta, e, dei de cara com uma baita porta de vidro obviamente fechada me fazendo cair de novo para trás. Sorte que naquela época os prédios comerciais não tinham câmeras de monitoramento e mais sorte ainda que não havia ninguém do lado de dentro que presenciasse tão dolorido momento, mal pude levantar-me. Chorei um bocado. Fiquei uma semana com um risco no rosto que cortava de bochecha a bochecha e a poupança também teve o seu momento “déjà vu”.

Com o advento das lixeiras de rua, devemos estar o menos distraídos possível (mesmo que os celulares não deixem) para que possamos passar incólumes pelos diversos obstáculos que um simples passeio nos proporciona. Distrair-se é inato e creio que esse adjetivo deveria estar presente nos elogios do dia a dia: “Como você é simpático e distraído”, diríamos nós, ou então: “Eu sou relevantemente distraído”, numa entrevista de emprego. Nunca vi um livro de autoajuda para distraídos, mesmo porque eu não leio livros de autoajuda, de modo que é uma boa ideia para aqueles que gostam de escrever esse tipo de livro, garanto que na distração comum diante de tantos livros numa banca, seria possível passá-los despercebidamente para que ajuntem o pó dos anos nas prateleiras e na distração esqueçamo-nos de comprá-los.

Para tropicar tem que ter jeito. Tem que nascer com o dom de tropicar. Tem até uma música que cantávamos quando crianças e me lembro dessa parte: “Ai ai ai quem tropica também cai, tropiquei no pé da mãe e fui cair no pé do pai”, tropicar não é para qualquer um, tampouco o resbalão que, acreditem, é uma palavra estritamente regional, não é para qualquer distraído. Nem sei por que escrevi isso já que todos sabem da linguagem regionalista aqui do sul do mundo; fina, elegante e delicada. Quando enviei um conto recheado de “resbalões” para um site luso-brasileiro, choveram perguntas em meu post sobre o significado da dita cuja da palavra “resbalão”. Oras, resbalão é resbalão e ponto final. Só quem vive resbalando é que sabe o que é resbalar, porém no corretor do word onde escrevo, automaticamente troca resbalão (que eu amo) para resvalar (horrível). Nunca resvalaria por aí, distraidamente. Eu sou da Campina da Cascavel e, portanto eu resbalo.

Há quem nunca tenha tropicado na vida, ou batido com a cabeça numa lixeira, geladeira, postes ou portas de vidro, e por estes eu tenho verdadeira admiração. Meus parabéns. É difícil isso, viu?

Há os desastrados, porém não fazem parte do meu escrito de hoje.

Há quem tropique todo santo dia e eu tenho verdadeira comiseração por eles, porque sou uma destas que vive resbalando, tropicando e caindo por aí, talvez por pura distração, talvez por problemas nas vistas, talvez porque nasci assim. O certo é que dou muitas risadas quando acontece uma forma “leve” de tropicão e também choro muito nas formas mais graves; de qualquer jeito todos os encontrões remetem-me àquela primeira vez, a do poste, a das unhas miseravelmente enormes e todas as dez pintadas de um verde inesquecível que me distraíram do meu trajeto infantil fazendo com que me encontrasse cara a cara com um poste de luz, na calçada, perto de casa.






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quinta-feira, 20 de abril de 2017

Oh não! De novo o fim do mundo?

Por Michele Calliari Marchese

Agora a data prevista é para setembro, não tão especificamente, mas dá seis dias entre o começo do fim do mundo e seu término, junto com parte da humanidade. Portanto, entre 22 e 28 de setembro saibam que não haverá vivalma nesse hemisfério. Catastrófico, não?

Para quem não sabe, o “asteroide de Deus” entrará na atmosfera – intacto – e se chocará com o azarado país da Costa Rica. O impacto será extraordinariamente impactante e ninguém contará a história. Tampouco saberemos a cor do dito cujo. Quem prevê essa barbaridade mortífera é um guru. Sim! Um guru. Nem quero saber o nome dele para que a carga negativa não ameace a paz do homem.

Em toda a minha vida, confesso, já ouvi inúmeras vezes a chegada do fim do mundo e inclusive uma dessas datas previstas aconteceu em 2012. Claro que sem sucesso, para nossa sorte  ao contrário da pobre da Costa Rica. Tomara que não acabe a água por lá e o cimento para a construção de “bunkers”. Isso tudo não passa de uma grande bobagem, mesmo porque os “bunkers” não salvarão ninguém e não haverá ninguém para tomar água depois.

Bom, esse impacto – se ocorrer – arrasará a América Central, a América Latina e etc, por causa exclusivamente do asteroide, que nem é tão grande assim, mas também por maremotos, terremotos e outros “motos” que até então desconhecemos na Campina da Cascavel, e olha que conhecemos muitos! Talvez por estarmos muito longe do mar nem saberemos de nada – como sempre acontece – e por uma feliz casualidade seremos poupados desta vez. Ou não.

A Campina da Cascavel é agraciada por toda oportunidade existente que a natureza tem para se renovar – assim dizem os gurus – e não me espantaria em saber que o dito asteroide desse o ar da graça por aqui. Oras, teremos que construir “bunkers” então! E a água? Gente, precisamos de estoque e mais estoque de água, porque dependermos do Rio Ditinho não dá, né? Se houver um terremoto por aqui, a água do Rio Ditinho se escoará miseravelmente para a construção de outro mundo. E ficaremos orgulhosos ainda por cima, além de sedentos.

Voltando ao fim do mundo: fora as datas acima: 2015 e 2012 houve também a incrível passagem para o século XXI, em 2001. Não me lembro de o que de fato aconteceria, mas que aconteceria, aconteceria e não aconteceu. Incautos comprando água e esquecendo-se de construir “bunkers”. Tem que fazer tudo direitinho, não se pode deixar as coisas pela metade e se no meio de tanta previsão furada vem uma certa? Temos que nos prevenir.

Na década de 80 também tive a oportunidade de verificar pela televisão alguns mortais com imensas placas avisando-nos de que o mundo acabaria em breve. Também não foi daquela vez, ok? Mas, força que um dia vocês acertam.

Na década de 70 eu aprendi a ler e nos gibis que eu lia e que datavam da década anterior (naquela época, as estórias eram elaboradas nos Estados Unidos e vinham para o Brasil apenas para a tradução, justamente durante a guerra do Vietnã) sempre tinha um personagem com um aviso de que o mundo iria acabar. Acabando com os sonhos infantis de se ter um camelo pula pula ou uma boneca Creci (tinha esse nome porque ela vinha com cabelo retrátil). O mundo não acabou e eu ganhei a boneca num aniversário qualquer, e o camelo pula pula era muito caro e isso sim era o fim do mundo para o meu pai.

Jamais poderia esquecer Nostradamus. Meu xará masculino e sagitariano, como essa escrevente, profetizou duas centúrias contendo previsões um tanto assustadoras e que só são conferidas ao seu autor depois que acontecem, ou seja, primeiro acontece e depois vão ler para ver onde se encaixa o acontecido. Bastante obscuras as centúrias, faz mais de quinhentos anos que elas continuam fazendo parte de um importante estudo, sem ninguém conseguir concluir. Já Rasputin era mais violento em seus presságios e não creio que seja de grande valia escrever sobre imagens aladas e venenos no ar, ou chuvas venenosas, sei lá.

Especulações à parte, eu creio que não será assim que se extinguirá a vida em nosso planeta, o buraco é mais embaixo. Estamos falando de asteroides, quando deveríamos falar de pandemias, sejam elas dos bichos que forem de guerras civis, da crueldade que mais e mais toma corpo, do avanço da tecnologia do mal. Não pensamos em ETs, mesmo eles dando claros sinais em nossas plantações, e como disse Stephen Hawking: “Se os alienígenas nos visitarem, o resultado seria parecido com quando Colombo chegou à América, o que não foi muito bom para os nativos americanos...”.


A todos aqueles que pressagiam o fim do mundo, meu muito obrigado. Sem vocês eu não teria histórias para contar ou lembrar. A todos aqueles que acreditam que o fim do mundo virá, podem ficar tranquilos, pois até lá estarão todos mortos. A todos aqueles que acreditam em inteligência artificial e que logo estaremos cara a cara com uma máquina pensante, meu conselho mais humilde: construam “bunkers”, comprem água, digam adeus ao Rio Ditinho e às intempéries que assolam a Campina da Cascavel, pois aí sim, O "Fim" estará próximo.



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terça-feira, 11 de abril de 2017

Isabella queria viver



Por Helena Frenzel

“Sinto muito, é maior que eu...“, ela perguntou quem dissera aquilo e ele pediu que seguisse lendo porque era curto: “Cinco minutos me sento e te prendo numas linhas”, ele disse. “Não pode ser!”, ela exclamou. É que nem tudo se justifica, há coisas que não têm explicação, simples. Me punha a escrever e algo acontecia: chamava o telefone ou chamavam à campainha, um dia ela bateu à porta e a palavra não tem represas, então... “Assim que foi lento e doloroso o processo, expliquei-lhe, mas ela não creu”. Segui lendo o conto dele: “Sob a ducha pensava em tudo aquilo e só voltou a si quando a temperatura baixou bruscamente. Pelo grito, soube que os vizinhos sabiam o que ele fazia naquele momento, por conta de finas paredes e tubulações antigas, mas também por algo físico, porque no cume é sempre mais frio e rarefeito é o ar. Sim, pelo grito...”, ela contou-lhe. “Naquele dia ela estava no banho, ele não pôde esperar: agarrou-a pelos cabelos e arrastou até a sala, queria que saísse do jeito que estava, do décimo quinto-andar.” — sim, do último, que também é o meu, lembrei-me — “Ela sabia que ouviram seus gritos, mas ninguém se manifestou.” Não me manifestei. “Não espero que você compreenda”, ela disse a ele quando conversaram. Conversaram? Não foi bem assim, expliquei-lhe. Ela tomou-o como confidente e o assunto ganhou as ruas. É que as pessoas perguntam muito e ele já não se lembrava mais com quem falara e o que dissera, só sabia que queria ajudar. A memória sempre engana e era inútil tentar lembrar porque álcool apaga, muito eficaz embaralha as cartas e ele e eu tomamos vodca, bebemos para escrever; eu no meu plano, ele no seu. “Desculpa esfarrapada!”, Bella alterou-se. “Pura verdade, não posso obrigá-la a crer nas minhas intenções”, ele dissera. Fiz uma pausa e Bella fitou-me com frio olhar. O gelo derretia no copo e eu tentava antecipar os próximos passos daquelas personagens, as moléculas, o fluído, o alívio, o estar e o deixar-se, pois ser é complexo ao cubo, tudo depende dos ditos-não-ditos, limites claríticos que claros perdem sentidos, e núcleos trazem à luz. “Lembro-me que gritos cessavam no apartamento vizinho sempre que ela estava comigo”, num turbilhão de memórias me pergunto se de fato a conheci, se dela abusei, ou mesmo disse: “Tu me culpas, e eu a ele, tu és uma ficção de nós”. “E você espera que eu compreenda?”, Bella soltou num fio de voz. “O marido a abandonara com gêmeos pequenos e ela lutava para não desistir da vida num quarto de hotel. De dinheiro não precisava, necessitava um lar. Mas as pessoas se negavam a alugar-lhe apartamento quando sabiam dos meninos e das dificuldades para pagar. Voltaria a trabalhar em setembro, até lá ficaria sem comprovante de renda e só teria o extrato bancário”. E muita esperança, pensei; e seguia defendendo o marido: “Não, ele não sairá de casa, eu e os meninos temos de sair. Mas peço que não contes nada. Ele precisa curar-se, bebe para escrever... mas agora que saímos de casa ele vai se tratar”. Mulheres fantasiam muito, nem Deus sabe o motivo; também fantasio e sei: só quem viveu sabe o que foi, mas se ela confiava... “E o que há de arte nisto?”, meu escritor perguntava, Bella queria viver; ele também... Respondi-lhe: “A vida, filho, a vida... queres arte maior? Eu te criei ou tu me criaste? O que é realidade? Todos os dias é preciso ser artista, viver é surreal” e ele: “Ela não cria como eu tivera a petulância de apropriar-me de sua vida, depois do tanto que havia pedido, implorado até: ‘Não me transforme em mais uma de suas personagens!’”. “Sinto muito, é maior que eu...” Terminei a leitura com o rosto em brasa, não podia encará-la nem gastar uma palavra mais. Isabella deixou o apartamento; e a porta, escancarada. Tudo ao meu redor girava... Lá fora, ao que parece, tinha início o pôr do sol.



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quinta-feira, 6 de abril de 2017

O gato no colo


Por Michele Calliari Marchese

Tinha um gato no colo. Era amarelo e ressonava no ronronar da tranquilidade entre os carinhos daquelas mãos calejadas e cheias de lembranças e o sono felino cujos sonhos jamais foram comprovados. Mas o que são os sonhos? Reflexos do dia a dia? Reflexos da intimidade interior? Imagens e apenas imagens para mostrar-nos que estamos vivos? Pensava que talvez os gatos sonhassem como as gentes e tivessem lembranças como as gentes e se ressentiriam de algo ou alguém por algum momento infeliz vivido anteriormente. Ela olhou para fora da janela e viu as parcas folhas das árvores naquele outono miserável que balouçavam placidamente como a sonhar também com dias melhores, com menos ventanias, raios e outras intempéries que as fariam perder o contato umbilical com a sua mãe. Brotam, embelezam o tronco e caem, apodrecendo no chão. Notou uma pequena semelhança em tudo que é vivo. Sempre o mesmo fim para todos.

O gato remexeu-se em suas pernas, tanto ele quanto ela estavam cansados daquela posição, ele ousou-se, porém ela tinha medo que ele saísse de cima de seu corpo carente e necessitado de respostas que iam muito além das simples perguntas que se fizera antes, muito antes, talvez antes mesmo de ter um gato amarelo que dormiria em suas pernas e não se mexeu. Não quis conspurcar aquele sono cheio de enlevo e entregas. Não se mexeu também porque tinha ideias na cabeça que estava prestes a encontrar o fio da meada para então desembaraçá-lo e entender o que jamais entendera em vida e o porquê de tantos questionamentos acerca dos outros, jamais acerca de si, pois o “si” lhe imputava o maior dos medos possíveis, aquele do conhecimento, do ser enfim sendo o que se é sem ser amarrado pelas máscaras da sociedade ou da cultura do nascimento, carregando incontinenti toda a carga genética de pai, mãe e toda ancestralidade possível. Quando ela ousaria? Talvez nunca ou talvez fosse o momento, aquele de agora, não o de antes, o de afagar o gato pensando se ele sonhava com lembranças de outrora.

Tinha na mente e isso era frequente a sua busca pelo saber muito, ou quase nada ou nada porque não se tem a concepção exata do que é a vida como uma verdade padrão, como quando se mede a pressão arterial, não há verdades absolutas para a vida e para o ser humano, e nunca para um gato amarelo ressonando num colo vazio porque as crianças cresceram e não há meias brancas para lavar, brinquedos para ajuntar e o sorriso para acalentar as difíceis perguntas sem respostas que enchiam o silêncio de estupefação diante da própria vida e agora tinham as vidas deles, cheias de afazeres e seus próprios filhos a lhes sugarem respostas tardias.

Perguntou ao gato se aquilo que sentia era alguma variante da solidão e lembrou-se de quando um dos filhos acordou chorando muito porque tinha tido um pesadelo que o pai contara que ela tinha morrido e lembrava que além de abraçar aquela criança com toda a força do seu amor para que ele se sentisse seguro e que não poderia ser verdade aquele sonho, também derramara lágrimas de iminência de morte, pois como faria com o pequeno se morresse? Afinal esses sonhos existem apenas para encrespar-nos a alma de uma melancolia tão profunda quanto a solidão sentida no meio de uma multidão de amigos num jantar. O dia chega a ficar nefasto e nefando.

Talvez pensasse porque não tinha o que pensar, talvez elucubrasse coisas porque não tinha o que fazer com a cabeça dentro daquela casa enorme e vazia da própria solidão que ficara para trás quando se casou. Deveria, pensou, encontrar alguma coisa que fizesse com que se sentisse sem os pensamentos que a atormentaram por quase toda a vida, aqueles questionamentos que não há necessidade de ter, aqueles medos monstros que limitam as pessoas e seu palpitar pela vida e pela natureza, onde estava quando tinha seus dez anos? Ou nos seus vinte? Nos trinta? E fez uma confissão consigo mesma sem estar de joelhos ou perante algum religioso, confessou-se pelo saber de menos sobre si.

O gato arranhou suas pernas avisando-lhe que estavam dormentes. Será o saber demais esse arranhamento impertinente ou será o de menos que nos sentimos incomodados quando chegamos alhures e jamais queremos chegar lá onde caem as folhas das árvores quando já o outono as carrega para todo o sempre, ou simplesmente nunca deveríamos saber. A ignorância chega a ser salutar nesses momentos cruciais de transpor o portal da consciência infinita sobre si, apenas.

Oras, e se tudo não fosse apenas lamentações de uma mente que pensa demasiado sobre tudo, sobre os outros e sobre si acovardada quando chega no “sobre si”; deixar de pensar nos mistérios da vida interior e pensar em como ensinar a mente sobre assuntos novos, palavras cruzadas, viagens, um jantar em família, lavar as meias brancas dos netos, ajuntar então os brinquedos deles que se findam pelo chão e o mais óbvio: ajuntar as folhas caídas das árvores pensando apenas que caíram, nada mais, nada além de finitudes limitadas.







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